A respiração está envolvida em tudo o que fazemos e em todas as funções do nosso corpo e, no entanto, é incrível como muitos de nós não sabem como respirar corretamente.
Inspirar é a primeira coisa que fazemos quando nascemos. Expirar é a última antes de partirmos.
A respiração é uma das nossas principais fontes de energia. Por curiosidade, a origem da palavra “respiração” tem um significado equivalente ao de “energia vital” ou de “espírito da vida” em culturas distintas. Por exemplo, em sânscrito a palavra é “prana”, em chinês é “qi” (lê-se “chi”), em grego é “pneuma”, em hebraico é “ruach” e em latim é “spiritus”.
Porque a nossa língua deriva do latim, a palavra mãe é “spiritus” e, por conseguinte, “inspirar” significa, literalmente, trazer a energia vital ou a força da vida para o interior do corpo.
Para os adeptos de Yoga, a palavra chave é “prana”, da qual deriva a disciplina "pranayama”, cujo significado e prática consistem na expansão da energia vital através de técnicas de respiração.
Ao longo das últimas décadas, a ciência ocidental tem estudado exaustivamente estas técnicas para confirmar tudo aquilo que uma sabedoria milenar tem vindo a tentar transmitir ao longo de tantos séculos. Um conhecimento que agora revive e nos vem ajudar com uma tarefa que realizamos a todo o momento, mas com tão pouca consciência.
Para realizarmos esta tarefa vital, vimos equipados com um par de pulmões que se estende desde a zona das clavículas até às últimas costelas. Se utilizarmos plenamente a nossa capacidade pulmonar, apresentamo-nos saudáveis e radiantes de energia. Estamos, literalmente, mais vivos.
A questão é que, nos tempos que correm, não estamos a usar este recurso em todo o seu potencial. Na verdade, alguns defendem que só utilizamos metade da nossa capacidade respiratória e, se formos analisar, muitos de nós respiram apenas para a parte superior do tórax, ou então respira de forma superficial. Como resultado, os nossos níveis de energia baixam e, para compensar, começamos a comer mais e a depender de estimulantes, o que apenas vem desequilibrar ainda mais o sistema.
O stress é o principal culpado, como já não é novidade – embora seja cada vez mais difícil repararmos que estamos sob stress. A complexidade dos estilos de vida mais urbanos traz um nível de stress muito subtil e dissimulado, e cuja presença é constante. Sem darmos por isso, estamos a respirar de forma superficial e com um ritmo bastante acelerado.
Falando de ritmo, respiramos em média 10 a 20 vezes por minuto, um pouco mais se estivermos mais ativos, como quando fazemos exercício, e são estes os números que consideramos normais. Contudo, a ciência demonstrou recentemente que o sistema nervoso está mais equilibrado quando respiramos por volta de 5 a 6 vezes por minuto.
Isto vem provar que já assumimos como “normal” uma respiração que é bastante acelerada. Nas palavras de Jiddu Krishnamurti, “não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade profundamente doente.”
Respiração e Sistema Nervoso
É legitimo culparmos o stress, mas só porque o vivemos em demasia. O stress, tal como a ansiedade, é uma resposta saudável do sistema nervoso que permite a nossa adaptação a situações desafiantes ou de perigo. É normal que, face a uma ameaça, o coração acelere, o ritmo da respiração e a temperatura aumentem, e os músculos fiquem tensos.
Esta é a metade do nosso sistema nervoso autónomo, designada por sistema nervoso simpático, que move todos os nossos recursos internos, gere prioridades, e nos prepara para agir – cheios de adrenalina e com os músculos quentes e ativados, estamos muito mais preparados para a ação. Por isso atribuíram a esta resposta o nome de “fight-or-flight”. A gestão dessas prioridades implica também um menor ênfase em funções “secundárias” à sobrevivência, pelo que o sistema nervoso simpático inibe a digestão, a sexualidade, a regeneração celular e, a longo prazo, a imunidade.
O termo “longo prazo” é a chave. Temos vindo a treinar-nos muito bem para nos mantermos neste modo durante longos períodos de tempo. É fácil perceber porquê: queremos estar sempre preparados, pensar e agir rápido, responder às exigências intermináveis que nos surgem constantemente.
No entanto, o processo natural seria regressarmos a um estado de tranquilidade e repouso depois de responder a uma situação desafiante ou ameaçadora. Aqui, é o sistema nervoso parassimpático que entra em cena, a outra metade do sistema nervoso autónomo que é responsável por relaxar, digerir e regenerar – e por isso recentemente terem começado a chamar à sua resposta “rest-and-digest”. Para que isto aconteça, é necessário sentir que o desafio terminou, deixar que o corpo saiba que pode finalmente descansar – este é problema.
O sistema nervoso parassimpático percebe o que se passa no corpo através de um nervo especial designado por nervo vago. Estendendo-se desde a base do cérebro até à zona abdominal, este nervo recolhe informação através do seu contacto com o intestino, os pulmões e o coração diretamente para o cérebro. E enquanto os sinais vindos desses órgãos indicarem stress, o nervo vago não dá o sinal para relaxar.
Continuamos prontos para lutar ou fugir, e não para relaxar e digerir, permanecendo tensos, com digestões lentas ou pouco eficientes, e com uma imunidade baixa. Horas, dias ou semanas podem passar e, em piloto automático, a resposta para parar não surge. É, por isso, necessário tornarmo-nos conscientes e assumir controlo sobre esta função.
“Enganar” a Mente
Quando estamos felizes, é natural sorrirmos. Sorrimos para expressar a felicidade que sentimos no nosso interior. Mas, mesmo que estejamos tristes, ao tentar forjar um sorriso talvez acabemos por nos sentir um pouco melhor. Isto é na verdade o cérebro a ser “enganado” por um processo neuronal, porque os neurónios que processam as emoções estão associados aos neurónios que controlam os músculos faciais. Como dizia o neuropsicólogo Donal Webb, “neurónios que disparam juntos, conectam juntos”.
Os nossos cérebros nem sempre conseguem determinar a ordem dos eventos emocionais ou distinguir entre imaginação e realidade. Quando uma rede neuronal é ativada, a nossa química interior altera-se – forjar um sorriso aumenta a produção de serotonina, a hormona da felicidade, enquanto ruminar sobre um problema faz subir os níveis de cortisol.
Não é diferente com a respiração. Quando estamos calmos, seguros e felizes, respiramos de uma forma lenta e abundante, enchendo grande parte dos nossos pulmões e dando tempo para absorver o oxigénio. Se estivermos sob stress ou em perigo, tendemos a respirar de forma curta, superficial e irregular, de modo a obter oxigénio rápido.
Assim, poderíamos assumir que respiramos de acordo com o que sentimos, e isto é verdade, embora o oposto também seja.
Se respirarmos de forma plena, as nossas emoções tenderão a acalmar. Começamos a sentir-nos de acordo com a forma como respiramos. A respiração é a única função vital que pode ser controlada conscientemente – se nos esquecermos dela, o nosso corpo assume o seu controlo, mas podemos ser nós a assumi-la intencionalmente.
Respirar neste registo pode não parece natural… e é por isso que precisamos de prática e disciplina. Ao longo do tempo, vamos tornando acessíveis os estados mais relaxados de consciência. O nervo vago é ativado através desta respiração lenta e profunda, feita de forma voluntária.
Quando ativo, ele interage com o sistema nervo parassimpático, levando todo o corpo a relaxar, e é assim que enganamos a nossa mente para abrandar o ritmo – mesmo que o desafio se mantenha presente.
Muito Para Além do Stresse
Se o stress influencia a nossa respiração, tornando-a mais curta e superficial, também uma respiração curta leva à sensação de mais stress. É um círculo vicioso. Este processo vai muito para além do stress.
Assim, vale a pena conhecer em maior detalhe as consequências de não respirar adequadamente:
Não há uma oxigenação eficaz do cérebro – o que contribui para dificuldades de concentração, incapacidade de gestão emocional, irritabilidade e lapsos de memória
Alterações no sistema imunitário – um pico breve de stress torna o sistema imunitário temporariamente mais eficaz, otimizando a produção de hormonas anti-inflamatórias; num registo crónico, o stress leva um gasto energético insustentável e o corpo vai ficando resistente ao efeito destas hormonas (semelhantemente ao modo que se torna resistente à insulina), comprometendo a imunidade
Depressão e fadiga crónica – a longo prazo, todo este desgaste energético e oxigenação ineficiente podem esgotar a nossa energia e afetar o nosso humor
Ansiedade, insónia e aumento da pressão arterial – associados a um batimento cardíaco mais acelerado e a toda a alteração hormonal que o acompanha neste estado de alerta constante
Encurtamento do diafragma e atrofia dos restantes músculos respiratórios – ao não fazermos um uso pleno do nosso espaço torácico, não estimulamos esta musculatura, contribuindo para uma progressiva perda de mobilidade e tónus
Dores na coluna e postura inadequada – exatamente porque há uma atrofia da musculatura torácica, que se conecta à coluna, o espaço entre as vértebras diminui, alterando a postura e aumentando a tensão no peito, onde se encontram os antagonistas da musculatura dorsal
Problemas digestivos – um diafragma encurtado contribui para a compressão dos órgãos digestivos, contribuindo para o mau funcionamento geral dos mesmos.
De Volta Ao Ritmo Natural
Este artigo não termina sem deixar algumas dicas, afinal o leitor acompanhou tudo até aqui e recebeu uma aula teórica bem robusta. Agora merece ficar com um exercício para que possa, no seu próprio ritmo, começar a relaxar e regressar a um estado de equilíbrio.
O exercício pode ser feito sentado ou deitado, de olhos abertos ou fechados – como for mais confortável para si. A proposta é trazer a consciência para o que se passa no interior do seu corpo. Pode começar por verificar como está a sua respiração, antes mesmo de a tentar influenciar, notando aspetos como o ritmo, a profundidade, a tensão, a sensação.
Com curiosidade e interesse genuínos, conheça a sua respiração, tal como está neste preciso instante. Após alguns momentos, tente abrandar um pouco o ritmo enquanto aumenta gradualmente a profundidade – permitindo que toda a zona abdominal esteja envolvida na respiração, que cada inspiração seja uma verdadeira lufada de ar fresco, plena de energia vital.
Se ajudar, pode contar o número de vezes que respira ao longo de um minuto e, nos minutos seguintes, tentar reduzir o ritmo progressivamente. Não é aconselhado fazer mudanças bruscas no ritmo, tendo em conta que o sistema nervoso pode interpretar uma mudança rápida como uma ameaça, e ligar o modo alerta. Gradualmente, entregue-se à respiração e sinta o corpo a relaxar.
A mente vai divagar, pelo que a respiração será a âncora para onde pode regressar sempre que se aperceber desta divagação.
Desfrute deste relaxamento e de toda a energia que absorve neste momento. Sinta a sua vitalidade, conecte-se com um estado de calma e segurança e, acima de tudo, saiba que este modo de estar pode ser uma escolha sua.
Se tiver interesse em melhorar a qualidade da sua respiração ou aprender a usá-la para fins terapêuticos, entre em contacto.
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Referências
Livros
Brown, R. P. & Gerbarg, P. L. (2017). Respire – o poder curativo da respiração. Lua de Papel.
Saraswati, S. (2002). Asana pranayama mudra bandha (3th revised ed.). Munger: Yoga Publications Trust.
Artigos Científicos
Bordoni, B. & Morabito, B. (2018). Symptomatology Correlations Between the Diaphragm and Irritable Bowel Syndrome. Cureus, 10(7), 1–9.
Nivethitha, L., Mooventhan, A., Manjunath, N. K., Bathala, L., & Sharma, V. K. (2017). Cerebrovascular hemodynamics during pranayama techniques. Journal of Neurosciences in Rural Practice, 8, 60–63.
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Telles, S., Singh, N., & Balkrishna, A. (2011). Heart rate variability changes during high frequency yoga breathing and breath awareness. BioPsychoSocial Medicine, 5, 1–6.
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